A Tutela Jurídica do Segredo Industrial no Brasil – Parte 2*

2 PROPRIEDADE INTELECTUAL

2.1 CONCEITO

Sempre houve extrema dificuldade em conceituar a acepção da Propriedade Intelectual. Dificuldade esta derivada, principalmente, do caráter incorpóreo que possuem os bens intelectuais, uma vez que esse tipo de propriedade não é facilmente verificável no mundo fenomênico.

Thorne D. Harris III[1], em sua obra acerca da proteção dos softwares, aborda tal dificuldade afirmando que:

Propriedade Intelectual pode ser difícil de conceituar precisamente. Esse tipo de propriedade é intangível e incorpórea. Como tal, difere de um carro, uma mesa, uma cadeira ou um livro, todas essas são propriedades pessoais. Do mesmo modo, Propriedade Intelectual não se refere à propriedade da família[2], investimentos em terras, ou Direitos Reais sobre terras. Se refere a segredos, idéias, nomes, ou pelo menos à expressão dessas idéias, e a outros conceitos similares. (Tradução Livre).

Sabe-se, ao certo, que Propriedade Intelectual é a propriedade sobre coisas, ou bens, imateriais, incorpóreos, intelectuais, intangíveis.

O Direito Romano já trazia em seu cerne a classificação das coisas em corpóreas e incorpóreas, conforme bem asseverou Tarcísio Cerqueira[3]:

O Direito Romano já classificava as coisas em corpóreas ou incorpóreas nas Institutas de Gaio, nas de justiniano e no ‘Digesto’. Cícero, com base em Aristóteles, já distinguia as coisas em existentes – as que se podem ver e tocar (quae cerni tangiue possunt) – e as intelectuais, as que são apenas concepções do espirito (quae intellegentur).

Assim, os bens corpóreos eram, para os romanos, os perceptíveis ao sentido e os bens incorpóreos eram aqueles que não eram perceptíveis. Ou seja, o critério utilizado pelos romanos para realizar a distinção entre os bens, ou coisas, era a possibilidade de serem ou não tocados. Destarte, a propriedade intelectual era posta como um bem incorpóreo (quae intellegentur).

Não é possível afirmar, contudo, que todo bem incorpóreo é de natureza da intelectual, mas, é possível afirmar que todo bem intelectual é incorpóreo.

Com o passar dos tempos, verificou-se, portanto, a necessidade de tutelar o bem intelectual, tendo em vista que o mercado, caso não houvesse proteção, trataria de trazer este tipo de bem jurídico para o domínio comum, desestimulando o desenvolvimento de criações necessárias e úteis ao progresso humano.[4]

Hodiernamente, os bens incorpóreos ou intelectuais somente existem como propriedade, e são assim tutelados, em virtude da ficção legal humana, sendo identificáveis como tal e podendo possuir determinados valores econômicos em virtude da lei.

Cumpre esclarecer, antes de conceituar Propriedade Intelectual, que a Constituição Federal brasileira (doravante denominada alternativamente de Carta Maior, Constituição Federal, Constituição, ou, simplesmente, CRFB) ao tutelá-la conferiu direitos sobre determinado bem imaterial a uma determinada pessoa.[5] A Carta Maior confere, ao positivar a propriedade intelectual, o direito de uso, gozo, disposição e de reaver o bem de quem ilegalmente o possua ou o detenha, conforme lição clássica do Direito Civil.[6]

Da positivação do direito à propriedade intelectual surgem dois aspectos importantes: a) a possibilidade do inventor ou criador obter a propriedade de determinado invento; b) a faculdade que tem o criador de ceder ou licenciar seus direitos.

Cumpre asseverar que a proteção que é dada à propriedade intelectual possui um duplo aspecto. De um lado, a positivação visa manter o vínculo existente entre o criador e criatura, é um aspecto moral; e, por outro lado, há um aspecto patrimonial, que legitima o inventor a obter ganhos de sua invenção. Advirta-se, contudo, que o surgimento da proteção ao bem intelectual como propriedade surge como demanda mercadológica e desenvolvimentista, como restará demonstrado pelo panorama histórico que será traçado a posteriori.

Ressalte-se que a propriedade intelectual, no que tange a seu aspecto moral, ainda que licenciada ou cedida para terceiros, continua a existir. É uma relação que não se cinge.

Não aprofundaremos, neste momento, a discussão acerca da natureza jurídica da Propriedade Intelectual. Cumpre mencionar, entretanto, que a doutrina se divide ao tentar defini-la. A título de exemplo, consoante a doutrina, a natureza jurídica pode ser de Direito Real, Direito Obrigacional, Direito Social, Direito da Personalidade, Direito de Monopólio ou de Exclusividade etc. Até sua condição de propriedade não é unânime[7], existindo doutrinadores portugueses e alguns poucos brasileiros que defendem esta teoria.

A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI ou WIPO), órgão autônomo da Organização das Nações Unidas (ONU), em sua Convenção[8], assinada em 14 de julho de 1967, em seu artigo 2º, inciso VIII, define propriedade intelectual como os direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas; às interpretações dos artistas interpretes e à execução dos artistas executantes; aos fonogramas, e às emissões de radiofusão; às invenções em todos os domínios da atividade humana; às descobertas científicas; aos desenhos e modelos industriais; às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais; à proteção contra a concorrência desleal; e a todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico industrial e artístico.

Segundo a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual, a definição de propriedade intelectual é constituída nos:

Direitos relativos às invenções em todos os campos da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, de comércio e de serviço, aos nomes e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal, às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes, às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, bem como os demais direitos relativos à atividade intelectual no campo industrial, científico, literário e artístico.

Adotaremos, no presente trabalho, o conceito internacional de propriedade intelectual, posto na Convenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, uma vez que, hodiernamente, devido à globalização e ao crescimento exponencial da tecnologia e do investimento em inventos, a propriedade intelectual é matéria prima para o mercado, necessitando de uma proteção não só dentro dos limites nacionais, mas também no âmbito internacional.

A Propriedade Intelectual é gênero que se subdivide, assim, em duas espécies: o Direito Autoral e a Propriedade Industrial ou Direito Industrial. Cabe ao primeiro tutelar as criações intelectuais e utilização de obras da literatura, ciência ou artes, busca, em última ratio, tutelar o autor frente ao mercado e frente à coletividade[9]. A propriedade industrial, por sua vez, visa proteger o uso das criações industriais, modelo de utilidade, marca, desenho industrial etc, e o faz por meio da concessão de patentes.


*Yuri Santana Ferreira é Advogado, pós-graduado em Ciência Criminais e Sócio Fundador do Ferreira, Vieira e Oliveira Advogados.


[1] HARRIS III, Thorne D. The Legal Guide to Computer Software Protection. Prentice Hall Inc. 1985. Nova York. No original: “Intellectual property can be a somewhat difficult concept to pin down precisely. This type of property is intangible and incorporeal. As such, it differs from a car, a table, a chair, or a book, all of which are personal property, Likewise, intellectual property does not refer to the family homestead, land investments, or other so-called real property. It does relate to secrets, names, ideas, or at least the expression of those ideas, and a number of other similar concepts”.

[2] A Propriedade de família no Direito Norte Americano é equivalente ao nossos bens imóveis

[3] CERQUEIRA, Tarcísio de Queiroz. A Propriedade Intelectual. Revista do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá (JusPoiesis). Disponível em Acesso em 25 jul 2013.

[4] ANDERSON, Michael G. BROWN, Paul. The Economics behind Copyright Fair Use: A Principled and Predictable Body of Law. Disponível em. Acesso em 28 jul 2013.

[5] Advirta-se, necessariamente, que a Propriedade Intelectual tem proteção no Estado brasileiro desde a época do Império, conforme será perfilhado no tópico 2.3.

[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 5: Direito das Coisas.. 7ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2012,

[7] ASCENÇÃO, José de Oliveira. A Pretensa Propriedade Intelectual. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial. Vol 1. São Paulo: Revista dos Tribunais Online. 2010. P. 1283

[8] World Intellectual Property Organization Convention.Estocolmo, 14 de jul de 1967. Disponível em <

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